A chegada do novo coronavírus agravou ainda mais a situação do Brasil em relação ao acesso à educação.
A educação é um direito de todos os brasileiros. Garantido pela Constituição, o acesso a educação é considerado um dos direitos sociais fundamentais. Porém no Brasil esse direito ainda não é fornecido para todos, mostrando que ainda há desigualdade.
Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais (IBGE), em 2018, quase 30% dos brasileiros não tinham direito à educação até aquele ano. Dentro desse número, 34,7% são do Nordeste, sendo a região do Brasil com mais restrição à educação. O Sudeste possui a menor taxa, com 24,1% fora da escola. Entre jovens com 15 anos ou mais, o número de pessoas que não possui instrução nenhuma, ou seja, analfabetos, é de quase 7%, de acordo com a PNAD Contínua.
As causas que contribuem para este resultado são muitas. Além do acesso limitado principalmente em áreas rurais e periféricas, a pobreza, a violência, a falta de investimento e a má gestão do dinheiro público também facilitam para que a precariedade da educação Brasil ainda seja muito grande.
E nesse ano, o cenário está longe de melhorar. A chegada do novo coronavírus agravou ainda mais a situação do Brasil em relação ao acesso à educação. Com as escolas fechadas para evitar a proliferação do vírus, alunos desde fase de alfabetização a alunos de ensino superior tiveram que se adaptar à nova forma de ensino à distância, no qual os estudantes recebem aprendizagem on-line.
Fernanda Kremer Guetter Hilú, que é diretora da Escola de Educação Básica Maria Correa Saad, da cidade de Garopaba, conta que a mudança aconteceu do calendário à acesso ao conteúdo. “Em razão da pandemia da COVID-19, o calendário escolar de 2020 da Rede Estadual de SC sofreu alteração. A Secretária de Estado da Educação providenciou uma plataforma para os professores poderem dar aulas não presenciais nesse período de isolamento social”.
A ferramenta escolhida foi o Google Classroom, onde a escola libera no máximo três atividades por dia. “Essa plataforma pode ser utilizada pelo celular, computador e tablet com internet. Para os alunos que não têm acesso à internet e não possuem celular, a escola está disponibilizando atividades impressas”.
Esse é outro fator que a pandemia da Covid-19 trouxe à tona. A questão do acesso à internet para a continuação do ensino nas escolas tem sido discutida recentemente, devido à impossibilidade de muitos estudantes de terem acesso à educação em casa durante o período de isolamento. Segundo uma pesquisa feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), quase 30% dos domicílios brasileiros não possuem internet.
A desigualdade social também se manifesta nesse tema. Apenas 1% da população de classe A não possui internet, enquanto que em domicílios que recebem um salário mínimo, esse número sobe para 45%. Além da falta de acesso à internet, não ter computador também dificulta a aprendizagem dos estudantes. A mesma pesquisa aponta que mais de 60% das casas brasileiras não possuem computador.
Roseane Vitória da Rosa, que cursa o 3° ano do ensino médio, é uma entre esses muitos estudantes, principalmente da rede pública, que sentem a dificuldade de estudar à distância durante a quarentena, por não possui computador e nem acesso à web. “Para mim está sendo ruim, pois não tenho acesso à internet. Como eu não estou conseguindo, eu vou na escola pegar as atividades impressas, assim eu faço em casa”.
A estudante também fala sobre a necessidade de ter alguém para orientar nas atividades como normalmente tinha na escola e que a única forma de auxílio que possui é pesquisando pelo celular, quando consegue internet. “Não é a mesma coisa que ter aula presencial, prefiro ter aula presencial, na escola, sendo que o professor pode estar ali, te ajudando, te explicando. Em casa não tem ninguém, é só você mesmo, ou pesquisando em sites, no Google, mas é melhor presencial”.
Com a tecnologia ocupando cada vez mais espaço no cotidiano da sociedade, as escolas atualmente estão começando a implantar – em algumas já existe – o uso de internet como ferramenta de ensino. Fernanda afirma que a escola, na qual é diretora, planeja mais tarde adicionar na sala de aula o sistema utilizado durante a quarentena. “A plataforma Google for Education será futuramente um complemento na metodologia de ensino, onde os alunos perceberão que a internet é uma fonte inesgotável de recursos para a educação”. Uma decisão como esta representa um grande avanço na qualidade da educação desde que as escolas estejam atentas para evitar a desigualdade educacional entre os alunos.
O advogado Fernando Souza afirma que as escolas devem buscar um meio de fornecer o ensino para todos de forma igualitária. “A igualdade é uma garantia constitucional. Então tem que fornecer para todos. Independente da região, o que tem que fazer é adaptar. Se em determinada escola todos têm acesso à internet, ótimo, faz pela internet. Se um aluno não tem, esse um aluno tem que ter garantia do seu direito à educação e o estabelecimento de ensino vai ter que achar uma forma de disponibilizar o material para esse aluno através de outro meio”.
Com todo esse debate sobre a educação à distância devido ao coronavírus, surgiram dúvidas também sobre a realização do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. A discussão em torno desse assunto é em razão de que, com a paralisação das aulas presenciais, muitos alunos não têm condições de se preparar para a prova devidamente.
Já em seu último ano escolar, Roseane Vitória se prepara para o Enem para ingressar no ensino superior. Mas devido à pandemia, a jovem diz que preferiria que a prova fosse cancelada. “Eu estou estudando pro Enem pelo Google, pesquisando, vendo algumas atividades, vendo alguns exercícios. Mas só quando eu tenho internet. Então é bem ruim para mim. Queria que o Enem fosse cancelado. Podia ser para o próximo ano. Com essa pandemia fica difícil sair de casa, ir pro Enem.”
Outra preocupação também é quais serão as medidas de segurança tomadas, caso o risco de contágio pelo vírus permaneça até a data da prova. Até o momento, o Ministério da Educação decidiu manter o exame, que acontecerá em maio. O surgimento do coronavírus acendeu um alerta sobre o possível futuro da educação no Brasil e mostrou que ainda há muitos desafios a serem enfrentados para que o país possa oferecer um ensino de qualidade e acessível para todos.
Texto: Augusto Machado, Emanuella Alves e Josilaine Gonçalves/ Jornal Laboratório Fato&Versão